Definir o nível de domínio de uma língua não é tarefa fácil. Saber uma língua não é só uma habilidade, são várias, na verdade, e isso significa que existem infinitas formas diferentes de avaliar as habilidades de uma pessoa.
Imagine que você está procurando emprego e, entre os requisitos de uma das vagas, você vê listado "inglês avançado". O que eles querem dizer com "avançado"? Como isso vai ser avaliado? Como eu vou saber se sou "avançado" e não meramente "intermediário"? O empregador vai confiar numa avaliação tão subjetiva? Eu posso confiar na avaliação subjetiva do empregador?
Os problemas não acabam aí. Ainda que você tenha outros para avaliarem sua competência linguística (como um curso de línguas, por exemplo), cada um teria os próprios métodos e parâmetros. Eu mesmo já fiz testes de proficiência de alemão que num momento me enterravam firme no intermediário e, no outro, sorriam para mim e me agraciavam com um nível avançado.
Pior ainda: o que acontece se você quiser migrar para outro país e parte do processo burocrático é comprovar um certo nível de competência na língua do país?
Entra a União Europeia
Vendo a situação e percebendo uma necessidade de padronizar uma classificação de habilidades linguísticas para todas essas situações, o Conselho Europeu propôs o Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas (ou Common European Framework of Reference, CEFR). O CEFR é um guia para descrever as conquistas de estudantes de línguas na Europa e no resto do mundo. Ele facilita o trabalho de instituições de educação e empregadores que precisam julgar as qualificações de candidatos a bolsas, admissões ou vagas de emprego. O objetivo do CEFR é prover um método de aprendizagem, ensino e análise que se aplica a todas as línguas da Europa.
Como o CEFR funciona
O CEFR tem uma série de definições e parâmetros muito bem definidos como atividades linguísticas (recepção, produção, interação e mediação) e domínios de conhecimento, mas como esses são mais interessantes para professores e avaliadores, vou pular para o que realmente nos interessa: as competências.
O CEFR se baseia numa escala de três níveis (A, B e C) que se dividem, cada um, em mais dois, totalizando seis níveis de competência linguística. A, B e C correspondem aos níveis básico, intermediário e avançado, respectivamente.
- Nível A (falante básico)
- A1 – Iniciação: o primeiro contato com a língua. O estudante consegue entender expressões básicas do cotidiano, se apresentar, expressar necessidades básicas, além de dar informações básicas, preencher formulários. Pode conversar e interagir com nativos contanto que o nativo fale de forma clara e pausada, e tenha bastante paciência com o estudante.
- A2 – Elementar: sendo uma evolução natural do A1, o estudante passa a conseguir falar sobre assuntos familiares básicos como o que gosta de fazer ou descrever o seu trabalho. Ele encontra informações simples e previsíveis em textos curtos e diretos. Ele também consegue escrever textos simples como mensagens breves, notas ou cartas pessoais muito simples, como um agradecimento ou parabenização.
- Nível B (falante independente)
- B1 – Intermédio: nesse estágio, o estudante atinge conquistas muito relevantes. Agora ele é capaz de lidar com as ideias principais em assuntos cotidianos se estiverem bem claros. Ele consegue entender o principal de programas de televisão se os falantes falarem de forma bem lenta e clara (ou dizem coisas bem simples, como em desenhos animados). Além disso, agora o estudante está mais equipado para situações de viagem e tem as ferramentas necessárias para falar de experiências, eventos, sonhos, desejos e muito mais, além de poder opinar em discussões diversas num nível limitado.
- B2 – Independente: este é o ponto onde muitos param, mas podem ficar perfeitamente confortáveis nele. O estudante agora é capaz de entender linhas argumentativas complexas em temas bem conhecidos. Ele também consegue acompanhar notícias na TV, programas sobre temas atuais e assistir filmes. O estudante também passa a estar confortável se comunicando na língua com naturalidade e sem grandes dificuldades, ou seja, sem gaguejar ou parar muito para lembrar essa ou aquela palavra. Além disso, ele está apto a discorrer detalhadamente sobre diversos temas do cotidiano de forma detalhada, defender pontos de vista diversos e apontar vantagens e desvantagens entre opções, principalmente se for em alguma área de especialidade. Para muitas profissões, B2 é suficiente.
- Nível C (Falante proficiente)
- C1 – Autonomia: é aqui que o estudante vira a chave para uma compreensão da língua num nível mais profundo, sendo capaz de detectar as nuances, ideias implícitas e duplos sentidos. Ele pode ler assistir programas de televisão e filmes sem esforço, e ler livros e textos longos e apreciar seu caráter literário. O estudante também consegue usar a língua com mais rigor e elegância em textos para fins acadêmicos ou profissionais. Os textos também passam a ser mais estruturados e detalhados, obedecendo as regras de organização, articulação e coesão do texto, além de selecionar o estilo de escrita apropriado. Agora, o estudante e está perfeitamente apto a se candidatar a vagas de emprego.
- C2 – Domínio pleno: é o nível mais alto e, obviamente, o mais difícil de alcançar. Agora o estudante já tem a língua como sua segunda natureza. Ele é capaz de compreender com facilidade praticamente tudo o que ouvir ou ler. Ele conhece modismos, frases feitas e expressões coloquiais. Ele também transmite nuances sutis de sentido com precisão. Se surgirem dificuldades linguísticas, elas serão tão pequenas que o estudante será capaz de contorná-las rapidamente e disfarçá-la com tanta habilidade que outros dificilmente repararão. Além disso tudo, ele é capaz de desenvolver cartas, relatórios e artigos complexos com argumentos e estrutura lógica que ajudam o ouvinte a se fixar nas ideias importantes. Se o C1 é comparável a um falante nativo médio, o C2 é comparável a um falante nativo bem educado.
As capacidades que você precisa desenvolver para avançar em cada uma dessas etapas são a compreensão auditiva e de leitura, fala (para se expressar e no meio de uma conversa) e escrita.
Talvez você esteja notando uma ausência interessante aqui: o sotaque. Sim, e isso é intencional. Ainda que muitos estudantes se preocupem tanto com isso, o CEFR ignora o seu sotaque completamente. O que importa é que você seja capaz de se expressar de maneira clara e inequívoca. Inclusive, há quem defenda que você mantenha o seu sotaque como parte da sua identidade nacional, mas isso é história para outro dia.
Que testes de proficiência usam o CEFR?
Diversos dos principais e mais reconhecidos testes de proficiência linguística se alinham ao CEFR e são amplamente reconhecidos por instituições acadêmicas e empresas.
Por exemplo, no mundo anglófono, TOEFL, TOEIC, Cambridge, são todos alinhados com o CEFR e oferecem exames de acordo com seus níveis.
O Ministério da Educação francês oferece o DELF para os níveis A1 a B2 e o DALF para os níveis C1 e C2. O TestDaF avalia a proficiência em alemão dos níveis B2 ao C1 e é usado como requisito de admissão de alunos de intercâmbio por universidades na Alemanha.
No Japão temos o JLPT, que, apesar de usar um sistema próprio que vai do N5 (mais básico) ao N1 (mais avançado), em 2025, ele passará a incluir o nível equivalente no CEFR nas notas dos estudantes como referência.
Quanto tempo eu vou levar em cada nível?
Isso depende de muitos fatores, como o tempo que você dedica ao estudo, o material de estudo, curso e por aí vai, mas o consenso é que cada novo nível vai exigir mais horas de estudo do que o nível anterior.
No curso de alemão Goethe-Institut, por exemplo, o nível básico leva dois anos para ser completado, sendo um ano de A1 e um ano de A2. Já no nível intermediário, você leva um ano e meio para completar o nível B1 e mais dois para completar o B2, e, de novo, um ano e meio e dois anos nos níveis C1 e C2.
No entanto, na minha honesta opinião, isso é muito relativo. Um aluno motivado e com tempo o suficiente poderia atingir o nível A2 em alguns meses se se dedicar por algumas horas diariamente. A parte mais difícil é fazer a transição do nível B2 para o C1, porque depende do estudante ter a consciência de que, a partir de agora, os livros e as aulas já não vão mais ter o mesmo rendimento que antes, e se você continuar se limitando a isso, seu avanço vai ser bem lento.
O nível C1 exige que você tenha vivência de mundo com a língua. O que eu quero dizer com isso é que a língua que você está estudando, não importa qual seja, é muitíssimo maior do que qualquer coisa que um curso pode entregar, e você precisa absorver toda essa vida que existe lá fora. Se você quiser entender sotaques regionais, gírias, termos técnicos de áreas de conhecimento específicos, subtextos e tantas outras coisas, você vai ter que fazer o esforço de ir além: assista filmes, vídeos no YouTube, leia notícias, livros, converse com falantes nativos (ou colegas de estudo) tanto quanto possível. Não fazer isso é, na minha humilde opinião, a garantia para se plantar no B.
Agora que você sabe o que é o CEFR, você pode avaliar com muito mais propriedade e objetividade o seu nível de proficiência e de quanto você precisa para chegar ao seu objetivo. Espero que tenha gostado. Bons estudos!